quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Nem ordenou invasão da Rocinha de dentro de presídio federal em Rondônia

 A polícia diz que a ordem para invadir a favela da Rocinha, que vive dias de guerra entre traficantes, partiu de bem longe do Rio. Mais precisamente a 3,4 mil quilômetros, da capital de Rondônia, Porto Velho. Quem ordenou foi o traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem. Preso em presídio federal de segurança máxima, ele mesmo assim desafia as autoridades.   Nem não está satisfeito com o substituto dele no comando do tráfico. Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, é o mesmo criminoso que, em 2010, invadiu um hotel de luxo na praia de São Conrado. Ele acabou preso mas foi solto após uma decisão da Justiça em 2012.

Rogério age como um miliciano. Impõe a cobrança de taxas para o comércio. Domina a venda de gás, água mineral e carvão. Distribui sinal clandestino de TV a cabo e internet e também cobra pedágio de mototaxistas e motoristas de vans que circulam pela Rocinha.

Nessa guerra de bandido contra bandido, Nem tentou de longe frear Rogério e colocar um aliado no comando do tráfico na Rocinha, o que não deu certo.                                                  Visitas são risco, dizem agentes

O traficante consegue dar ordens do presídio federal, mesmo com todo o aparato de segurança. A unidade de Porto Velho tem aparelhos de raio X, detectores de metais e câmeras de monitoramento. As visitas íntimas estão suspensas desde março deste ano, mas o traficante tem direito a visitas de advogados e parentes.
No dia primeiro deste mês, Nem recebeu a visita da mãe dele e de um filho. No dia seis, do neto e de um filho.
Os agentes penitenciários dizem que as visitas, mesmo supervisionadas, são um risco. E que todos os encontros deveriam ser separados por vidros, como acontece com os presos do regime disciplinar diferenciado.
“Preso na federal é contato zero com o mundo externo. E aí a gente vai ver o reflexo disso na rua. Vamos isolar os caras. Totalmente. É mudar a lei. Preso na federal é sem contato, só no vidro”, disse um agente, que pediu para não ser identificado.
Os agentes penitenciários suspeitam que o traficante Nem também tenha contado com a ajuda de outros presos. No mesmo presídio, em maio passado, o Jornal Nacional mostrou que o traficante Fernandinho Beira-Mar usava uma corda improvisada para trocar bilhetes com vizinhos de cela.

Varreduras em presídios, diz Jungamann

“O exército vai atuar fazendo cerco de comunidades se for necessário, vai fazer patrulhamento nas ruas se for necessário, fará varreduras de presídios, que me parece essencial, se for solicitado”, disse nesta terça o ministro da Defesa, Raul Jungmann.(...) Um grande número das unidades prisionais prisões penitenciárias são escritório, o home office do crime organizado”, acrescentou.

O Jornal Nacional pediu entrevista ao Departamento Penitenciário Nacional, órgão ligado ao Ministério da Justiça, para saber como um traficante consegue dar ordens de dentro de um presídio de segurança máxima. O ministério declarou que está apurando a denúncia e que, por questões de segurança, não pode passar informação sobre a rotina de Nem. Um vídeo que circula em redes sociais mostra uma enorme fila, com mais de 50 homens armados de fuzis, cruzando a Rocinha – 16 deles já foram identificados. Fontes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) afirmam que a imagem é da tarde de segunda.

É de segunda também uma foto que mostra mais um grupo de criminosos armados num outro ponto da favela. E isso justamente no dia em que teve uma operação com mais de 300 policiais na Rocinha.                                                                    

Secretário admite falha

Só nesta terça o secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, falou da situação na comunidade – mais de 48 horas depois da guerra entre traficantes.
A Rocinha já tem policiais fixos desde 2012, quando foi instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora. São 700 homens na unidade. No domingo (17), muitos não reagiram ao ver a disputa entre traficantes da mesma facção que acabou virando uma guerra dentro da comunidade.
As autoridades admitem que não houve uma reação para evitar que isso acontecesse, apesar de saberem dos planos dos bandidos.
“Eu cobrei do comandante-geral o que pode ter acontecido, porque havia notícias da inteligência dessa inquietação, dessa instabilidade com a possível racha daquela facção e com essa instabilidade que ocorreu”, disse o secretário.
O grupo de pelo menos 100 traficantes saiu do Morro do São Carlos, no bairro do Estácio, que também tem uma UPP, e foi até a Rocinha. Um percurso de 14 quilômetros, sem serem incomodados. O secretário acabou reconhecendo: houve falha.
“Se não foi possível evitar a entrada, houve um equívoco e já reconhecido pelo comandante. Então, equívocos em cima de uma escassez de recurso eles podem acontecer. Não são desejáveis de forma alguma, e a gente não vai tolerar,”
Sem encontrar muita resistência, os traficantes invadiram e tomaram metade da Rocinha, uma das maiores favelas do Rio, com 70 mil habitantes, segundo o IBGE.
Mesmo com a presença de policiais, os bandidos estabeleceram um toque de recolher. o aviso tá nas redes sociais: “O comércio da rocinha está fechado e o transporte dentro do morro está parado. Não saiam das suas casas, quem mora na Rocinha trabalha fora é melhor ligar para algum parente”.
“A gente paga aluguel muito caro, trabalha pra viver dignamente. E a gente precisa ser tratado com a maior dignidade, não é o mínimo de dignidade não”, diz um morador.
A ajuda federal está no Rio desde julho, com 10 mil homens. Seriam operações conjuntas, mas há um mês as Forças Armadas não participam de nenhuma operação. O ministro da defesa voltou a dizer hoje que não faltam dinheiro nem estrutura.
Nesta terça, a prioridade de 500 homens do Exército foi entrar na favela do Muquiço, na Zona Norte do Rio, para recuperar uma pistola roubada de um soldado. Lideranças comunitárias acabaram devolvendo a arma.
A ordem pra fazer a busca partiu do comando militar. Mas pra agir na Rocinha, o ministro diz que precisa receber um pedido do governo do Rio. O Jornal Nacional não obteve resposta do governador.
“O exército não recuou. Não deixou de atender a uma única solicitação (...) Agora, como nós atuamos sob demanda, nós só podemos fazer aquilo que nós somos efetivamente demandados e estamos à disposição de fazer”, disse Jungmann.
O secretário de Segurança não considera que é o caso de pedir ajuda agora. “Por enquanto, pra manutenção da situação, está sendo suficiente. Se houver necessidade, a gente evolui com recurso da própria Polícia Militar, ou recurso das Forças Armadas.”
O Jornal Nacional tentou falar com o governador do Rio sobre a política de segurança, mas o governador não quis gravar entrevista. O secretário de Segurança ainda não definiu uma estratégia para combater as facções que disputam o domínio da comunidade;
“A gente vai avaliar dia a dia. Enquanto isso. a polícia judiciária está na identificação dos criminosos, e nós vamos regulando essa operação dia a dia pra avaliar que tipo de ação com o objetivo de causar o mínimo de transtorno pra população, mas devolver a paz.”
Quem mora na Rocinha tem certeza: vai ser preciso mais do que isso: “O problema é que não tem pra onde correr, né? A pessoa não tem condições... Vai pra onde? Tem que ficar aí mesmo”, diz um morador.

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